De onde viemos: o preço da troca
- Judith
- 18 de ago. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 8 de mar. de 2024
Sair de casa cedo tem as suas vantagens, mas também o seu preço. Tornei-me mulher adulta longe dos meus pais, mas também dos meus irmãos, das minhas tias, dos meus tios, primos, vizinhos e pessoas próximas. Hoje tenho consciência de que muito do que acabei por descobrir sozinha, noutras referências mais distantes de mim, estaria bem do meu lado se tivesse permanecido onde estão as minhas raízes. Às vezes, dou por mim a perguntar se as coisas que descobri longe, as teria desvendado e valorizado caso tivesse ficado . Ou, se por outra, só consigo ver agora o que sempre lá esteve precisamente porque me desenlacei cedo dessa realidade.
Pensar sobre isso, levou-me a duas reflexões que quero partilhar.

Por um lado, o quão pouco investimos , de onde eu venho, na educação de base comunitária e em ferramentas que estão acessíveis nos contextos onde habitamos.
É de certa forma revelador o quão pouco acreditamos no poder das nossas histórias e o pouco que fazemos para que elas e as pessoas que as geram inspirem novos modelos de pensamento e formas inovadoras de moldar e transformar a nossa realidade.
Ao mesmo tempo, fez-me pensar naquilo que perdemos quando nos aventuramos no mundo e confiamos nesse mundo estranho para nos acolher, nos fazer crescer e nos ajudar a nos tornarmos "nós." Embora essa descoberta seja apaixonante e desafiadora, ela é mais solitária, com laços mais frágeis com as comunidades com as quais nos relacionamos, mas às quais raramente fazemos parte. E talvez seja esse o preço, os laços humanos.
Sempre vi como um privilégio sair de casa para viver noutro país e estudar. Sempre vi essa experiência como adição, algo que se acrescentava a mim. Sempre acreditei que ter uma mente aberta, receptiva ao outro, acordada para as questões de género, raça, território, cultura foi o resultado da oportunidade que me foi dada de ter saído de Cabo Verde.
Hoje, embora não desvalorize o impacto que todas essas vivências fora tiveram em mim, não deixo de me surpreender com o quanto daquilo que aprendi sozinha está lá, presente nas histórias da minha família, dos meus vizinhos e, do quanto eles têm consciência das suas vivências e do que significam. Surpreende-me o quanto daquilo que sou e acredito está impresso nas histórias reais daqueles e daquelas que na verdade sempre estiveram ao meu lado. Não quer isso dizer que nesse lugar das minhas raízes não esteja muito daquilo que quero mudar no mundo, mas assim também o é nos lugares onde navego hoje.
Hoje, como que temerosamente, sou obrigada a me questionar se sair cedo de casa foi somente uma conta de somar. A pergunta que sou obrigada a fazer é, qual foi o preço da troca?
Esta pergunta simples tem dois resultados imediatos. Obriga-me a repensar se aquilo que sempre vi com uma conta de somar, não foi na verdade uma transação em que dei algo, em troca de algo. Por mais que tenha somado, algo tive que subtrair. E, em segundo lugar, dá lugar a uma pergunta mais assustadora: será que no rescaldo dessa troca ainda estou a ganhar ou, será que a perda, a humana, já se sobrepõe ao ganho e não quero admitir por vaidade ou orgulho?