Edel
- Judith
- 10 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de mar. de 2024
Assim como o relógio bate as 18h, Edel freneticamente fecha todos os separadores abertos em seu computador, pousando posteriormente as mãos sobre o teclado à medida que inspira. O alívio do início do fim-de-semana é intermitentemente interrompido com os pensamentos frenéticos de tudo o que fez e que ficou por fazer durante as jornadas de trabalho daquela semana. Dias abafados por centenas de tarefas urgentes completamente inúteis. Em teoria, tem um emprego de sonho; na prática, passa horas a escrever textos inócuos destinados a justificar um salário e uma função absolutamente dispensáveis. No privado, à parte de ser filha, irmã e amiga de alguém, a sua vida é um contínuo e repetitivo quotidiano intercambiável.

Vive sozinha, num apartamento desnecessariamente grande mas adquirido na esperança de visitas que quase nunca chegavam. Ao fechar o computador de alívio, Edel sente em igual medida o peso dos sonhos adiados e escondidos do olhar e do conhecimento alheio. O desejo de viver mais perto da sua família, de ter a sua própria família, de dedicar-se ao magistério e poder sentir-se útil.
Edel é invejada, mas não se inveja. Odeia-se, mas envergonha-a ousar queixar-se do seu dia-a-dia morno, cómodo e seguro.
Ela sente-se sufocar por entre fugaz sentimento de alívio de fechar o dia de trabalho. Em meio da ansiedade, emerge a nota de que em dois dias será novamente segunda-feira e que o ciclo reiniciará. Contudo, ela não tem nada para fazer nesses dois dias que a façam se sentir mais ela própria. Da mesma forma que repele a ideia de repetir o ciclo, ela almeja-o porque, se não, que mais há a esperar? Os pensamentos e as ideias atrapalham-se, os sentimentos colidem e sente-se rasgar por dentro, tamanha a contradição que a preenche. Para se refugiar, coloca os auscultadores sem fios do telemóvel e escolhe uma música enérgica. Levanta-se e começa a dançar; primeiro timidamente, pouco a pouco mais freneticamente. Levanta os braços em arco, deixando as mãos decaírem-se, acariciando os ombros, o tronco, voltando ao pescoço, esticando os finos braços novamente em movimentos graciosos e rítmicos.

Edel deixa o seu corpo fluir, solta os cabelos, abaixa a cabeça, balançando-se de forma coordenada, para depois se erguer à medida que mexe as ancas no tempo da música. Edel sorri quando o pensamento fugaz de que, se fosse só isso, ela seria feliz. E eis que, subitamente e de forma abrupta, sente a garganta fechar-se, as lágrimas reticentes aguando o canto dos olhos e a compressão nas narinas. A dança e a música são bálsamos momentâneos, e as lágrimas a manifestação da frágil libertação que a invade.
Continua a dançar enquanto sorri e chora, as lágrimas agora abundantes deslizando pela face acompanhando o balanço do corpo. No entretanto, invade-lhe um torpor no peito e, instantaneamente, outro pensamento emerge, desta vez um questionamento do porquê de não ser para sempre livre e feliz assim.
Inebriada pelo êxtase da música, a liberdade do corpo e a evasão da dança, aumenta furiosamente a velocidade dos movimentos, sentindo-se em todo o lado ao mesmo tempo. Num impulso, onde o antes e o depois perdem razão de existir, ela corre pela casa atravessando o escritório, o quarto e o corredor, chegando à sala onde numa única ação abre as portadas e salta para o vazio. Entre uma batida e outra, vida e a outra realidade.
Que pena, disseram uns. Não compreendo, outros. Como não vi, perguntaram-se os mais próximos.
O que os outros não viram, mas Edel sim, foi o seu futuro na segunda-feira.
Ao vê-lo e repassá-lo, sentiu-se previdente mas esmagada por não se saber capaz de viver uma segunda-feira diferente. Edel escolheu deixar-se ir nos momentos de evasão que a música e a dança lhe deram naquela sexta-feira. Edel não escolheu morrer como muitos ficaram a pensar. Simplesmente, escolheu não viver o futuro que se sentiu incapaz de mudar.
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